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FOREIGN WORK IN BRAZIL

When a foreign worker provides services in Brazil the laws governing the contract are the laws of the country of origin or the laws of Bra...

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O ADVOGADO

Tudo começa numa manhã como qualquer outra, sol nascendo, acabo de deixar a minha filhinha na escola quando o celular toca de um numero não identificado...
 
- Dr. Maurício...diz a voz aflita...é o Engenheiro Cardoso....o Senhor já está no escritório? Viste meu e-mail?
 
- Diga lá Cardoso....estou chegando no escritório em 07 minutos...
 
- Que bom Dr. Maurício...a situação é complicada.....
 
- OK.....nos falamos em seguida.
 
Realmente Cardoso não estava exagerando, logo nas primeiras linhas do e-mail fiquei arrepiado....não...não.....Mal consegui tomar o cafezinho, gentilmente servido e já sou avisado que "eles" chegaram.
 
Educadamente recebo a comitiva, Cardoso vem a frente esbaforido e com o cabelo despenteado, seguido do VP, do SVP e do Área Controller, todos pálidos. 
 
Logo atrás, com rosto de quem não dormiu vem os americanos, seguido do pessoal do escritório do Amaral&Lapercce, dignamente representado pela "dupla dinâmica", lotando a sala de reunião.
 
Laptops a mesa e começa mais um dia de sol na Avenida.
 
Com seu português americanizado, Steve já solta....acredito que tenha entre 12 a 15 mortos, não consigo falar com o pessoal do local e ainda não sei se houve contaminação, mas incêndio houve com certeza, pelo que me falarrron...
 
- Mas como assim, era uma simples operação? Porquê tudo isso...o que aconteceu?
 
- Silêncio, pede Amaral, tá na televisão!
 
O jornal fala em tragédia. Ao que parece um navio não conseguiu parar e irrompeu, acertando outros que estavam parados no porto, além de um petroleiro e o "nosso" navio que estava sendo carregado.
 
O resto foi consequência. Silêncio sepulcral.
 
Isto vai impactar de vários modos, pois além das vidas perdidas de colaboradores, gente de confiança e amiga, o negócio se perdeu...alguem não vai entregar o que prometeu...haverá ações, negócios terceiros e expectativas comerciais se frustrarão.
 
- Vamos lá, eu aprendi uma vez que o caminho nesta hora é manter a cabeça fria e organizar um plano de ação.
 
Neste momento entram na sala os chineses (gritando), acompanhados dos despachantes, da empresa de estufagem, do departamento jurídico do pessoal da Bélgica, alem de outros advogados que tinha sido convocados. 
 
- Reunião com mais de 10 pessoas vira tumulto, vamos dividir em 02 grupos.
 
- Amaral, me ajude por favor, me auxilia nesse momento que acertaremos nossas, ok?
 
-  Leve todo o pessoal "novo" para outra sala, peça café e aguá, por favor.
 
Divididas as tarefas naturais, passou-se a discutir sobre quem ficaria na "base" e quem iria até o "local"..mas não é perigoso? Alguém já falou com a Capitania?
 
Telefones começaram a ser disparados, cafés servidos, levanta então Cardoso e diz:
 
- Doutor, vamos?
- C-Claro....vamos.
 -Como? Estrada não dá. Só se for de helicóptero e não temos qualquer margem para esta despesa.
- Pede para os chineses, os sócios deles aqui no Brasil têm um lindo.
- Boa idéia.
 
Agora eram quase meio-dia e o ponto mais próximo da carona era um edifício a duas quadras daqui e eu me lembrei de um detalhe importante, ainda não avisei a minha esposa....
 
- Amor?
- Qual é a bomba amor?
- Como assim?
- Você me deu aquele "amor" de quem vai explicar que o gato subiu no telhado.
- Poxa amor...lá vai....estou indo viajar, você já viu no Jornal, né?....te dou uma posição chegando lá....você poderia buscar o meu terno no tintureiro?
- Vai a m....click.
 
Recuperado, estou sentado dentro do "bicho" quando me lembro que estou com fome e que tenho um medo da p....de voar.
 
Pouco caber explicar e meu pensamento é....será que tem seguro?
 
Já passa da uma hora da tarde e avisto o litoral...fumaça no horizonte.....pousamos...continuo com fome e procuro um banheiro com os olhos. Nada de banheiro.
 
Meia-hora se passa, estamos em reunião e tenho a nítida  sensação de que o representante dos trabalhadores (aliás, já organizados) está com sangue no olhar....informo que sim, temos seguro de vida, mas não posso esclarecer nada sobre o auxílio as vitimas, ainda mais considerando o infame precedente.
 
Pois é, precedente. Nesta nesta mesma Comarca....o Juiz foi claro e direto....se a empresa auxiliou é porque assumiu que tinha culpa no evento....e agora, o que o Código Civil diz mesmo?
 
Devo decidir com as regras do direito civil, do direito penal, ou sigo a minha diretriz moral?
 
Um ato de caráter social auxiliaria com a questão da opinião publica mas, e quanto a preservação do nome comercial? Quem são os  terceiros afetados? Alguem já sabe quantas vitimas são? E o que dizer pra família dos mortos, sem que isto ofenda o Banco a Seguradora os compradores estrangeiros e a polícia? Alguem ligou para a Capitania?
 
Calma e foco. Respiro. Agora é a hora que justifica todos os anos de trabalho, cada palavra será medida e determinará o caminho que a coisa tomará.
 
- Digo: Portanto, a resposta, meu senhor, é negativa, iremos preliminarmente apurar o ocorrido e quando, e somente quando isto se definir, iremos sugerir um plano conjunto a ser observado, o que será devidae oportunamente comunicado. Obrigado a todos.
 
Segue-se então um maremoto de vozes e então fica a sensação de que aqui passou um furação.
 
Pior, o cenário a partir da minha janela dá essa mesma sensação....desolamento. 
 
Mais uma hora se passa e quando os fatos começam a efetivamente surgir sou tomado de uma sensação do mais profundo alívio, brotando do fundo de minha alma.
 
Pronto, ao menos hoje eu não errei.
 
Pessoas próximas se abraçam e recebo até um olhar afetuoso do Cardoso....ele deve estar esgotado.
 
Retorno pra casa....são quase 9:30 da noite e hoje é apenas segunda-feira.
 
- Oi amor....isso são horas! Pegou o terno na lavanderia?
 
I love my job.
 
 
São Paulo, 30 de Novembro de 2012
 
Maurício Ejchel

 

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